Fotos: Paulo Maia

A professora Flora Milton (sentada), os alunos Felipe Demani, Kathlen e Beatriz, e o professor Leonardo Mendonça (ao fundo) no Laboratório Multiusuário de Cultivo de Células e Tecidos Animais
Pesquisa que estuda possíveis ligações entre agrotóxicos utilizados no Brasil e o desenvolvimento da obesidade e outras doenças relacionadas, como a diabetes, está sendo realizada no Instituto de Saúde de Nova Friburgo (ISNF). A coordenadora do Laboratório Multiusuário de Cultivo de Células e Tecidos animais (LMCT) do Campus de Nova Friburgo, professora Flora Milton, e o coordenador do curso de graduação em Biomedicina do ISNF, professor Leonardo Mendonça, são os orientadores do estudo.
A investigação tem como objetivo avaliar se os agrotóxicos utilizados no Brasil possuem potencial obesogênico, ou seja, se podem induzir o acúmulo de gorduras no organismo. Os pesquisadores selecionaram 10 agrotóxicos que têm seu uso registrado no país, de classes químicas variadas para maior abrangência e veracidade nos resultados.
Etapas da pesquisa
O estudo foi dividido em duas etapas. A primeira, coordenada pela professora Flora, está sendo realizada agora, e trata-se das aplicações do produto e avaliações em cultivos de células. Já a segunda etapa, comandado pelo professor Leonardo, concerne os testes em camundongos. No entanto, por preocupações éticas, a equipe optou por diminuir o uso dos animais na pesquisa, e considerou a necessidade de, primeiramente, entenderem o funcionamento de todo o mecanismo molecular do que vêm verificando para somente, em seguida, fazer uma avaliação mais global através dos animais.

Flora Milton analisando células de camundongo no EVOS, um microscópio invertido que permite a visualização das células vivas em cultura por um monitor
O consumo no Brasil
O Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos desde 2008. O glifosato, herbicida mais utilizado no país, é altamente conhecido por sua controvérsia. Listado inúmeras vezes como agente cancerígeno, o composto é também amplamente defendido por ruralistas e alguns especialistas pró-agrotóxicos. Além desse herbicida, muitas outras substâncias utilizadas no Brasil como defensivos agrícolas são proibidas na Europa e nos EUA, como o fungicida Tiram, que foi retirado do mercado dos Estados Unidos devido a sua associação com mutações genéticas e problemas endócrinos e reprodutivos, e o herbicida Lactofen, proibido na União Europeia desde 2007.
Flora expõe o papel de uma pesquisa do gênero para nosso país, “O fato do Brasil ser o maior consumidor de agrotóxicos no mundo foi fundamental na nossa escolha do objeto. Precisamos estudar e mostrar os nossos resultados, para sermos levados em consideração até na regulamentação de novos produtos. Para podermos argumentar através de estudos e provas de que esses produtos fazem mal a saúde”.

A aluna Beatriz Peres de Araújo durante análise no laboratório do ISNF, onde foi realizado estudos sobre agrotóxicos
Uma das regras utilizadas na escolha desses pesticidas para a pesquisa foi a aplicação oficial deles na produção nacional. “Um dos critérios utilizados foi o registro no Brasil desses produtos, nós precisamos utilizar as substâncias na forma pura, sem fixadores. Então compramos de uma empresa que comprova essa pureza, para termos a certeza de que é o agrotóxico em si que causa o efeito que estamos verificando. Escolhemos também agrotóxicos de classes químicas diferentes e que são utilizados em maior número de espécies e cultivares. Dessa forma, escolhemos agrotóxicos que têm mais relevância e que podemos, como cidadãos, estarmos expostos”, explica a professora.
As doenças
A obesidade é uma doença multifatorial. Os desreguladores endócrinos – substâncias presentes no ambiente que podem interferir no metabolismo endócrino – por exemplo, possuem papel importante no desenvolvimento da doença, como destaca a professora Flora Milton.
“Esses desreguladores endócrinos são fatores considerados contribuintes no desenvolvimento da obesidade, tanto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), quanto pela Associação Brasileira de Estudos da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO). Existem comprovações de que esses desreguladores contribuem como fatores externos no desenvolvimento da obesidade e da diabetes. E o que estamos investigando é se os agrotóxicos podem atuar nesses mecanismos. Encontramos o indício de que sim, temos um resultado de que o agrotóxico está induzindo o acúmulo lipídico em célula, nosso próximo passo é avaliar isso em animais”, explica.
O professor de Bioengenharia da Universidade da Califórnia e criador do termo obesogênico, doutor Bruce Blumberg, é colaborador do projeto de pesquisa. Quando esteve na Universidade de Brasília para o I Simpósio de Farmacologia do Distrito Federal, que aconteceu nos dias 12 e 13 de novembro de 2018, ele teve acesso aos resultados da pesquisa desenvolvida pelos docentes da UFF e considerou-os de extrema relevância. O professor Blumberg estuda os desreguladores endócrinos e os seus efeitos, os danos causados no DNA e se esses danos são hereditários. “O que não conseguimos fazer por aqui estamos buscando nessa colaboração com o cientista americano. A parceria está nos rendendo bons frutos”, ressalta Flora Milton.
Parceria com a UNB
A pesquisa é também uma parceria da UFF com a Universidade de Brasília (UnB). A UnB é colaboradora financeira do estudo, assim como fornecedora de materiais e de espaço para a realização de alguns testes específicos, como a PCR em tempo real. Este exame, que permite a visualização do DNA e a identificação da presença de patógenos na amostra, é utilizado para avaliação da expressão de genes relacionados à adipogênese, obesidade e resistência à insulina tanto em células quanto em animais.
Flora conclui apresentando os objetivos temporais do estudo. “A curto prazo esperamos identificar o potencial adipogênico dos agrotóxicos através do estudo em cultura de células. A médio prazo, avaliaremos se o potencial observado nas células também pode ser observado em camundongos. Os animais representam organismos mais complexos, onde outros fatores com certeza irão interagir com os agrotóxicos. E a longo prazo esperamos estabelecer uma relação do que foi observado no laboratório com os seres humanos”.