Aline Caseca, pesquisadora da UFF, celebra 10 anos de serviço público no Dia Internacional da Mulher e fala sobre as dificuldades para fazer ciência no Brasil
Por Paulo Maia
No último fim de semana, uma mulher e os dois filhos dela morreram quando tentavam fugir de soldados russos na Ucrânia. Coincidentemente, no dia 8 de março de 1917, um grupo de operárias russas saiu às ruas para protestar contra a guerra. Tempos depois, a data foi oficializada, entre os soviéticos, como celebração da “Mulher Heroica e Trabalhadora”. O protesto das russas foi um dos diversos episódios ocorridos pelo mundo que levaram a Organização das Nações Unidas (ONU) a instituir, na década de 70, o Dia Internacional da Mulher, comemorado nesta terça-feira de 2022.
Mas será que hoje as mulheres têm motivos para comemorar? Quais são as batalhas enfrentadas pelas mulheres de hoje? E a ciência, que também é usada para produzir guerra, oferece espaço para atuação e luta femininas? Foi com esses e outros questionamentos que conversamos com Aline Caseca, cientista do Instituto de Saúde de Nova Friburgo (ISNF), unidade da Universidade Federal Fluminense (UFF) no município.
Aline é uma carioca de 42 anos que divide seu tempo entre os cuidados com a filha, de seis, e as aulas de Parasitologia e Biossegurança que ministra no ISNF. Nesta terça-feira, a pesquisadora comemora uma década de serviço público e fala sobre as guerras cotidianas que enfrenta como mulher e cientista no Brasil.
Reportagem: Como você avalia o episódio da morte da mulher ucraniana ao tentar salvar os filhos, dias antes de 8 de março? E como avalia o uso da ciência para a produção de artefatos de guerra, como a bomba atômica?
Aline: Uma mulher sempre vai defender a sua cria, os seus familiares e também desconhecidos. Está no nosso instinto. Acredito que empatia, solidariedade e generosidade estejam no cromossomo ‘X’ (risos). Com relação à guerra, acredito que a ciência se destina a melhorar o progresso da humanidade e não a reduzi-lo. Seu uso como arma militar é absolutamente condenável.
R: É possível ser cientista e mãe?
A: Sim, é possível ser cientista e mãe. É possível conciliar carreira acadêmica e maternidade. É fácil? Definitivamente não, não é fácil. Agradeço imensamente a minha instituição. Já se vão dez anos de carreira acadêmica (tomei posse no Dia Internacional da Mulher, 08/03/2012). Quando questionei minha capacidade de ser mãe, docente e pesquisadora, a Universidade Federal Fluminense sempre me acolheu. Não desisti, resisti e estou aqui.
R: As mulheres ainda enfrentam muita dificuldade em fazer ciência no Brasil? Quais as principais dificuldades?
A: Sim. Nós mulheres, embora maioria em grandes áreas, como as áreas biológicas e da saúde, ainda enfrentamos grandes dificuldades. A literatura mostra que o ‘efeito tesoura’ ou ‘segregação vertical’ ainda impacta negativamente a presença de mulheres em espaços de poder e tomada de decisão.
R: A grande atuação de mulheres durante a pandemia de COVID-19, inclusive na defesa da própria ciência, atenuou esse problema?
A: Àquelas mulheres privilegiadas que dispunham de infraestrutura domiciliar, com acesso à internet, como eu, o ‘home office’ instituído desde o início da pandemia da COVID-19 até alavancou a produção acadêmica. Foi possível estar em vários lugares que presencialmente não poderia. Entretanto, a sobrecarga de trabalho, em especial de divulgação científica, implementação de novos projetos de pesquisa, extensão, ensino, criação de eventos acadêmico-científicos on-line, etc., tudo isso afetou muito a saúde mental das mulheres docentes. E não só das mulheres, como também de suas famílias.
R: Que políticas públicas podem ser realizadas para que as mulheres tenham espaço equivalente ao espaço dos homens na ciência?
A: A UFF foi a primeira universidade no Brasil a incluir políticas de apoio à maternidade em um edital (edital PIBIC 2019). “O (a) docente que esteve em licença maternidade, nos últimos dois anos, no momento da solicitação da bolsa terá um bônus de até 5 pontos, caso não obtenha a nota máxima no currículo, que é de 40 pontos”. Destaco que essa política de apoio à maternidade estabelecida pela UFF, neste edital, contemplou 60% das cientistas mães que submeteram ao edital.
Em junho de 2021, o Fórum de Coordenadores de Pós-graduação da UFF aprovou por unanimidade a inclusão de políticas de apoio à maternidade, tanto no credenciamento e recredenciamento de professoras mães quanto na seleção e prazos de defesas de teses e dissertações de discentes mães. Nesse fórum, foi aprovada a ampliação do período de avaliação do currículo, acrescentando dois anos de avaliação de produtividade para cada licença maternidade no período avaliado. Para os casos em que o currículo é avaliado considerando toda a vida acadêmica, foi recomendado um fator de correção de 1.05 a 1.2.
Ações e políticas de apoio à maternidade, como considerar o tempo de licença maternidade no lattes, foram desenvolvidas em alguns editais no sentido de corrigir uma real discriminação, em busca de uma igualdade. Medidas como essas contribuem para democratização do fazer ciência e maior inclusão das mulheres.
R: De que maneira trabalhos de conscientização com a sociedade, principalmente em escolas, podem ajudar a eliminar esse desequilíbrio entre a atuação feminina e masculina na ciência no Brasil?
A: A ONU em 2015, durante o Fórum Sobre Saúde Feminina, estabeleceu o dia 11 de fevereiro como o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência. Conscientizar a sociedade, através de trabalhos de divulgação à sociedade, em especial nas escolas, sobre os grandes feitos de pessoas do gênero feminino na área das Ciências, certamente contribuirá para alimentar o desejo e o interesse das gerações mais novas pela carreira científica. Divulgação de material de livre acesso, como o livro ELABORADO POR MULHERES, do Programa Mulheres e Meninas na Ciência da Fiocruz, é exemplo de ótima estratégia para despertar o entusiasmo das novas gerações. O material está disponível em https://portolivre.fiocruz.br/hist%C3%B3rias-para-inspirar-futuras-cientistas
ISNF é feminino
Aline Caseca é a única cientista da família. No currículo, traz um Doutorado em Ciências, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e dois Pós-doutorados, pelo IOC-Fiocruz. Atualmente, é Coordenadora do Curso de Graduação em Biomedicina do ISNF, cujo percentual de mulheres é de 74% entre os alunos. No curso de Mestrado, 63% são mulheres. Em Odontologia, o número chega a 72%. Já em Fonoaudiologia, o percentual atinge os incríveis 92%.
Entre professores do instituto, os números também são impressionantes. O Departamento de Formação Específica tem 53% do seu corpo docente formado por mulheres; o Departamento de Ciências Básicas, 60%; o de Fonoaudiologia, 73%, e o Curso de Mestrado possui 80% da equipe formada por professoras.
“Sou uma vencedora”, conclui Aline. Alguém duvida?