Especialista da UFF fala sobre Afasia, condição neurológica que afeta a expressão oral e a escrita após uma lesão cerebral
Entrevista com especialista
Por Paulo Maia
Já pensou ter que interromper a carreira artística por não conseguir se comunicar com as pessoas? Foi o que aconteceu recentemente com dois famosos: o ator americano Bruce Willis e o cartunista brasileiro Angeli. Nos dois casos, o motivo é o mesmo: diagnóstico de Afasia.
Apesar de ter virado notícia nos últimos dias, o assunto já é bem conhecido por cientistas. De acordo com matéria publicada pela Revista Veja, no dia 29 de abril de 2022, cerca de 40% dos casos são relacionados a Acidente Vascular Cerebral (AVC) e um aumento no número de ocorrências pode estar ligado, segundo estudiosos, ao envelhecimento populacional.
Mas o que é Afasia? Quais são os sintomas? Ocorre mais em homens ou mulheres? Para sanar essas e outras dúvidas, nossa reportagem conversou com a professora Simone Barreto, fonoaudióloga que estuda o assunto há 17 anos. Ela é cientista do Instituto de Saúde de Nova Friburgo (ISNF), unidade de ensino superior da Universidade Federal Fluminense (UFF) no município, onde supervisiona o atendimento de pessoas com Afasia na Clínica de Fonoaudiologia do instituto.
Reportagem: o que é Afasia?
Simone Barreto: Afasia é uma condição de saúde que afeta a comunicação oral e escrita da pessoa após uma lesão cerebral. Ela pode ser causada por várias doenças neurológicas, como AVC, traumatismos ou doenças degenerativas que comprometem o cérebro, dentre outras. A doença neurológica que causa a Afasia pode ser progressiva ou não. Portanto, podemos ter casos progressivos e casos não progressivos.
R: Ocorre mais em que faixa etária? Mais em homens ou mulheres?
SB: É mais comum em pessoas adultas e idosas, mas pode ocorrer em jovens. A doença neurológica que causa a Afasia é que pode ser mais comum em uma faixa etária ou em determinado sexo. Por exemplo, o AVC, que é a causa mais frequente de Afasia, é mais comum em pessoas adultas e idosas. Já os traumatismos, decorrentes de acidentes de trânsito ou por causas violentas, são mais comuns em jovens do sexo masculino.
R: Quais são os sintomas? Ocorre perda de lucidez? Como identificar?
SB: Na Afasia a pessoa tem alterada a sua capacidade de se comunicar, ou seja, de falar aquilo que gostaria, de compreender o que as pessoas estão falando com ela, de ler e compreender o que lê ou de escrever, por exemplo. Contudo, essa alteração da comunicação não modifica sua capacidade de pensar e perceber o que ocorre a sua volta.
A própria pessoa e aqueles que convivem com ela vão perceber mudanças na sua capacidade de se comunicar, após a lesão cerebral, como dificuldades de lembrar nomes, trocar palavras na fala, na leitura ou na escrita, falar menos ou falar algo que pode parecer sem sentido para quem ouve. Diante dessas mudanças súbitas ou progressivas na comunicação, é fundamental que a pessoa procure por atendimento médico e passe por uma avaliação fonoaudiológica, para que seja possível fazer o diagnóstico fonoaudiológico e o tratamento adequado de cada caso.
R: É possível reabilitar a comunicação?
SB: Sim, o tratamento fonoaudiológico tem o objetivo de reabilitar a comunicação, a fim de que ela continue interagindo bem com as pessoas e mantenha sua participação na sociedade. Além disso, é fundamental que a doença neurológica que causou a Afasia seja tratada pelo médico neurologista. A pessoa com uma doença neurológica pode ter outros comprometimentos além da comunicação e, muitas vezes, será necessária a realização de outros acompanhamentos, com fisioterapeuta, psicólogo, terapeuta ocupacional, dentre outros. Portanto, o tratamento da pessoa vai envolver uma equipe interprofissional.
R: Como é o tratamento? Precisa tomar algum remédio?
SB: O tratamento é feito por meio de atividades que estimulam a linguagem e melhoram a comunicação diária da pessoa. Essa melhora é possível graças a neuroplasticidade, que é a capacidade que nosso cérebro tem de se modificar e aprender novas habilidades ou recuperar habilidades perdidas. Até o momento, não há tratamento medicamentoso com eficácia comprovada para o tratamento da Afasia em si.
R: Que cuidados a família deve ter?
SB: O primeiro cuidado é assumir o lugar de um “facilitador da comunicação” da pessoa que tem Afasia. Portanto, não tente “falar por ela” e dê tempo para que ela se expresse sozinha. É preciso estar atento ao que ela quer comunicar, independentemente da forma que ela está usando para isso, seja por gestos, desenhos, escrita, expressões faciais ou palavras.
Uma dica que sempre dou para os familiares é usar frases mais curtas, para facilitar a compreensão, e não excluir a pessoa das conversas e da tomada de decisões que lhe dizem respeito, pois a principal estratégia para melhorar a comunicação é continuar se comunicando.
O segundo cuidado é apoiar o familiar na busca e na realização do tratamento fonoaudiológico e demais acompanhamentos que forem necessários, uma vez que o suporte social é um dos fatores que influenciam os resultados do tratamento.
R: Uma dose de amor ajuda?
SB: Com certeza! Em qualquer tratamento, isso é fundamental. Além de todas essas medidas que citei, há duas coisas muito importantes: a paciência e o carinho. É preciso ter a compreensão de que a pessoa quer se comunicar, mas não consegue. Todos da família precisam ter essa dose de amor disponível.
R: A UFF atende pacientes com Afasia? Como proceder?
SB: Sim, na Clínica de Fonoaudiologia da UFF, temos um ambulatório especializado no acompanhamento fonoaudiológico de adultos ou idosos com Afasia ou com outros distúrbios da comunicação causados por doenças neurológicas, que funciona às quintas-feiras, pela manhã.
Para ser atendido, é necessário entrar em contato com a secretaria da clínica pessoalmente, para preenchimento de uma ficha, ou pelo e-mail clinicafonofef@gmail.com. Posteriormente, será agendada uma consulta inicial para acolhimento do caso e acompanhamento, de acordo com as demandas identificadas.
Outras informações sobre a Clínica de Fonoaudiologia do ISNF podem ser obtidas pelo site http://clinicafono.sites.uff.br.